Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida
Mia Couto
terça-feira, 28 de maio de 2013
quinta-feira, 23 de maio de 2013
Georges Moustaki | le métèque
Avec ma gueule de métèque
De juif errant, de pâtre grec
Et mes cheveux aux quatre vents
Avec mes yeux tout délavés
Qui me donnent un air de rêver
Moi qui ne rêve plus souvent
Avec mes mains de maraudeur
De musicien et de rôdeur
Qui ont pillé tant de jardins
Avec ma bouche qui a bu
Qui a embrassé et mordu
Sans jamais assouvir sa faim
...
Le métèque de Georges Moustaki
domingo, 5 de maio de 2013
O Pai Que Se Tornou Mãe de José Eduardo Agualusa
"Toda a gente sabe que são as mães
que trazem os filhos dentro da barriga. Os bebés formam-se no ventre das
mães, crescem, e depois saltam cá para fora - para a luz.
O que pouca gente sabe é que há uma excepção. Existe uma espécie animal em que é o pai que cria os filhos dentro da barriga e é ele que os entrega à luz: o cavalo-marinho. Como é que isto aconteceu? É essa a história que hoje vos quero contar: uma incrível história de amor. O fim talvez seja um pouco triste. Mas é sempre assim: as histórias de amor só são felizes quando não as contamos até ao fim.
Há
muito, muito tempo, no tempo em que os Homens ainda não falavam, nesse
tempo vivia no mar um casal de cavalos-marinhos. O mar, para eles, era
um imenso jardim. Naquele tempo estava tudo no princípio, todas as
coisas eram novas e brilhavam. Mário e Maria gostavam de passear, de
descobrir animais estranhos, paisagens perdidas, outros mares.
(...)
Uma
manhã Maria acordou doente. Tinha perdido o brilho. Ela que sempre
tivera uma cor tão bonita, estava a ficar baça e transparente. Sentia-se
muito leve, sentia que alguma coisa se apagava lentamente dentro dela.
(..) À medida que as horas passavam Maria tornava-se menos existente --
desaparecia.
- Não me deixes- pediu-lhe Mário - Ainda temos tanta coisa a descobrir.
Maria ficou com pena. Não podia deixá-lo tão sozinho. Com as poucas forças que lhe restavam encostou-se a ele.
- Vou dar-te os nossos filhos - disse- quando eles nascerem mostra-lhes o mar.
Disse
isto num suspiro e desapareceu. Durante os primeiros dias, sozinho,
Mário sentiu-se perdido. O mar deixara de ser um jardim: achava-o agora
grande, escuro e perigoso.
E sem a alegre surpresa de Maria nada lhe parecia realmente novo. Passado algum tempo, porém, notou que o seu corpo se modificava . a barriga crescera, tornara-se firme e redonda, e ele começou a sentirse outra vez alegre, num estranho alvoroço, embora não soubesse muito bem porquê. Era como se tivesse uma festa a crescer dentro de si.
E sem a alegre surpresa de Maria nada lhe parecia realmente novo. Passado algum tempo, porém, notou que o seu corpo se modificava . a barriga crescera, tornara-se firme e redonda, e ele começou a sentirse outra vez alegre, num estranho alvoroço, embora não soubesse muito bem porquê. Era como se tivesse uma festa a crescer dentro de si.
Então,
numa manhã de muito sol, com o mar todo iluminado, Mário viu que a sua
barriga se abria,e viu saltarem lá de dentro dezenas de pequeninos
cavalos-marinhos. Eram os seus filhos.
Talvez
há pouco me tenha enganado. Parece-me agora que esta história tem um
final feliz. Porque decidi que ela acaba aqui, num nascimento, e porque a
partir daquela manhã de sol, passou a existir um pai que dá à luz."
em Estranhões e Bizarrocos de José Eduardo Agualusa (texto com supressões) e ilustrações de Henrique Cayatte.
quarta-feira, 1 de maio de 2013
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