quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Amor de mel, amor de flor, amor de fel, ...



Amor de mel, amor de fel

Tenho um amor
Que não posso confessar...
Mas posso chorar
Amor pecado, amor de amor,
Amor de mel, amor de flor,
Amor de fel, amor maior,
Amor amado!

Tenho um amor
Amor de dor, amor maior,
Amor chorado em tom menor
Em tom menor, maior o Fado!
Choro a chorar
Tornando maior o mar
Não posso deixar de amar
O meu amor em pecado!

Foi andorinha
Que chegou na Primavera,
Eu era quem era!
Amor pecado, amor de amor,
Amor de mel, amor de flor,
Amor de fel, amor maior,
Amor amado!

de Amália Rodrigues e de Carlos Gonçalves

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

As estações do ano


A  todos os que, por aqui, passam, por acaso ou não.

O tempo neste blogue, à semelhança da realidade, mede-se pelas estações do ano e cada estação tem, como sub-título, uma pergunta, cuja resposta está relacionada com o que é publicado, por mim.

Quem é assíduo já percebeu o que me conforta, no inverno; o que me apaixona, na primavera; o que me anima e alegra, no verão e o que me aconchega e aquece, no outono.

A par destas "coisas" estão sempre as pessoas que me acompanham e estão presentes em todas as estações do ano. São elas que, verdadeiramente, me animam, me aquecem, me confortam e em quem eu me aconchego.

Sejam muito bem vindos!

14 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Nós somos | António Ramos Rosa



NÓS SOMOS

Como uma pequena lâmpada subsiste
e marcha no vento, nestes dias,
na vereda das noites, sob as pálpebras do tempo.
Caminhamos, um país sussurra,
dificilmente nas calçadas, nos quartos,
um país puro existe, homens escuros,
uma sede que arfa, uma cor que desponta no muro,
uma terra existe nesta terra,
nós somos, existimos

Como uma pequena gota às vezes no vazio,
como alguém só no mar, caminhando esquecidos,
na miséria dos dias, nos degraus desconjuntados,
subsiste uma palavra, uma sílaba de vento,
uma pálida lâmpada ao fundo do corredor,
uma frescura de nada, nos cabelos nos olhos,
uma voz num portal e a manhã é de sol,
nós somos, existimos.

Uma pequena ponte, uma lâmpada, um punho,
uma carta que segue, um bom dia que chega,
hoje, amanhã, ainda, a vida continua,
no silêncio, nas ruas, nos quartos, dia a dia,
nas mãos que se dão, nos punhos torturados,
nas frontes que persistem,
nós somos,
existimos.

António Ramos Rosa

domingo, 20 de janeiro de 2013

Uma pequena luz bruxuleante | Jorge de Sena




Uma pequena luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumiére
just a little light
una piccola…em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a advinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça
Brilhando indefectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
Indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
Como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
No meio de nós.
Brilha.

Uma pequenina luz bruxuleante de Jorge de Sena


sábado, 19 de janeiro de 2013

Inverno: Primavera




Primavera dos Gift, um tema recorrente em todas as Estações do Ano.

O Sorriso | Eugénio de Andrade

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

em O outro nome da terra de Eugénio de Andrade 

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Zambujo e Elisa Rodrigues



O tempo do coração


O tempo mede-se com batidas. Pode ser medido com as batidas de um relógio ou pode ser medido com as batidas de um coração. 
Os gregos, mais sensíveis do que nós, tinham duas palavras diferentes para indicar esses dois tempos. Ao tempo que se mede com as batidas do relógio - embora eles não tivessem relógios como os nossos - ele davam o nome de chronos. Daí a palavra cronómetro. O pêndulo do relógio oscila numa absoluta indiferença à vida. Com as suas batidas, vai dividindo o tempo em pedaços iguais: horas, minutos, segundos. A cada quarto de hora soa o mesmo carrilhão, indiferente à vida e à morte, ao riso e ao choro. 
Agora, os cronómetros partem o tempo em fatias ainda menores, que o corpo é incapaz de perceber. Centésimos de segundo: que posso sentir num centésimo de segundo? Que posso viver num centésimo de segundo? Diz Ricardo Reis, no seu poema "Mestre, são plácidas ... não há tristezas nem alegrias na nossa vida ..." É estranho que ele diga isso. Mas diz certo: o tempo do relógio é indiferente às tristezas e alegrias. 
Há, entretanto, o tempo que se mede com as batidas do coração. Ao coração falta a precisão dos cronómetros. As suas batidas dançam ao ritmo da vida - e da morte. Por vezes tranquilo, de repente agita-se, tocado pelo medo ou pelo amor. Dá saltos. Tropeça. Trina. Retorna à rotina. A esse tempo de vida os gregos davam o nome de kairós - para o qual não temos correspondente. 
A nossa civilização tem palavras para dizer o tempo dos relógios: a ciência; mas perdeu as palavras para dizer o tempo do coração. 
de Rubem Alves,  As cores do crepúsculo, Editora ASA, 2004

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Despiu a saudade / sacudiu o pó

Despiu a saudade depois do jantar
Num prato já frio de tanto esperar
Aquele que bebe nos tascos da vida
Rodadas de amantes de tara perdida
E chega tão cheio de nada p'ra dar

Sacudiu o pó desse amor primeiro
Num canto guardado do seu coração
Aquele retrato parado no tempo
Que morde por fora, magoa por dentro
Num corpo vazio de tanta ilusão

Mas de repente como um sol depois da chuva
Surgiu a noite transformada em alvorada
Vai p'ró espelho, faz-se bonita
Lábios vermelhos, corpo de chita
Vestido na pressa de quem sai já atrasada
Brilho nos olhos, ar de menina
Livre e rainha, de tresloucada
Saltou p'rá lua, na minha rua na madrugada

Trago o coração à flor da boca
E a sina escrita na palma da mão
Foram tantos anos sem imaginar
O dia sonhado da noite mais louca
Nas ruas da vida com ela a dançar

Despiu a saudade
Sacudiu o pó



Letra: Paulo Abreu de Lima
Música: António Zambujo

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Arrábida: um lugar "quase" perfeito!



Arrábida, da Serra ao Mar de Luís Quinta e de Ricardo Guerreiro (2013)

Arrábida: para viver e morrer.

"O mais difícil não é ir à Arrábida, porque no Verão há carreiras de camionetas, no inverno há em Azeitão táxis ou carroças ou jeriquinhos tão prestáveis como os da Cacilhas de antigamente, e de janeiro a dezembro, para muita e muito boa gente, há duas pernas vigorosas e de boa vontade que fazem transpor a Serra pelo Vale do Picheleiro. Difícil, difícil, é entendê-la: porque boas praias, boas sombras e boas vistas há-as em toda a parte para os bons banhistas, os bons amigos de bem-comer, os bons turistas; o que não há em toda a parte é a religiosidade que dá à Serra da Arrábida elevação e sentido. Sabe-se lá se o alor místico lhe vem da origem, se lho deixaram - inefável herança! - os franciscanos do seu Convento?... Mas é fora de dúvida que o visitante, se o não apreendeu, saiu da Arrábida sem sequer ter entrado nela verdadeiramente!

Vá sozinho, suba ao Convento, que é onde o espírito da Serra converge e como que ganha forma; leve, se quiser, os versos de Agostinho (bem-aventurado, que no-lo editou, o Professor Mendes dos Remédios!) e experimente como afinal é fácil estar a sós com Deus. 

Quando, de rosado, começa a arroxear-se o horizonte, a Serra é um vulto de sombra parado a meio do silêncio. Pios de ave, como goteiras, piguelingam de quando em quando e de onde a onde - e damos então mais consciente notícia do grande silêncio. Dizemos: 

Assim com cousas mudas conversando, 
com mais quietação delas aprendo 
que outras que há, ensinar querem falando. 

Se a Lua surgir, o mato começa a desenhar no chão arabescos que já sabemos ler; empalidece mais o Convento e nós, compenetrados da beleza divina (ou franciscana?) das coisas, somos a grande porta que se fecha sobre a Serra para a Serra dormir, pela noite longa e azulada de Estrelas, na sua, meditação que já dura séculos. 

0 Céu fica-lhe perto: Bastaria acordar a meio da noite... Bastaria, para que Deus a ouvisse, sonhar alto um verso de Frei Agostinho, dos muitos que ele rezou e ela sabe de cor... " 

Sebastião da Gama 

domingo, 6 de janeiro de 2013

There are as many loves as there are hearts | Tolstoi

A beleza do cinema está na forma como as imagens se nos apresentam aos nossos olhos. Magistral!



Anna Karenina de Joe Wright (2012)

O Leitor


O leitor de Stephen Daldry (2008)

"Fala-me,  ò Musa, do homem astuto que tanto vagueou, depois que de Tróia destruiu a cidadela sagrada.
(...)

Mas, com fé, resistiram, esperando que os outros ainda chegassem. Sonho ver sombras de célebres heróis mortos em tempos idos e de fantasmas de épocas recuadas.
Embainha a tua espada. Sobe para o meu leito, deixa-te levar pelo mágico labor de amor e entre nós geraremos profunda confiança.
Enquanto, ó deusa, não ousares proferir um grande juramento que não prepararás para um qualquer sofrimento. E ela logo jurou, como lho ordenara, que nunca me causaria qualquer mal.
E depois que pôs termo ao juramento, foi então que subi para a lindíssima cama de Circe.
E, ao despertar, uma vez mais, a jovem Alvorada, ajoujaram de novo a parelha e pelos portões e colunatas chicotearam-na para a obrigar a correr e, à desfilada, os príncipes chegaram aos campos de trigo ..."

Odisseia de Homero