quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A casa do mar de Sophia

Há na casa algo de rude e elementar que nenhuma riqueza mundana pode corromper, e, apesar do seu halo de solidão e do seu isolamento na duna, a casa não é margem mas antes convergência, encontro, centro.
Quem das janelas do corredor olha para e vê o muro de granito, as árvores na distância e os telhados a oeste, aquilo que vê aparece-lhe como um lugar qualquer da terra, como um acidente, um lugar ocasional entre o acaso das coisas.
 Mas quem do quarto central avança para a varanda e vê, de frente, a praia, o céu, a areia, a luz e o ar, reconhece que nada ali é acaso mas sim fundamento, que este é um lugar de exaltação e espanto onde o real emerge e mostra seu rosto e sua evidência.
Pelo gesto de dobrar o pescoço e de sacudir as crinas, as quatro fileiras de ondas, correndo para a praia, lembram fileiras brancas de cavalos que no contínuo avançar contam e medem o seu arfar interior de tempestade. O tombar da rebentação povoa o espaço de exultação e clamor. No subir e descer da vaga, o universo ordena seu tumulto e seu sorriso e, ao longo das areias luzidias, maresias e brumas sobem como um incenso de celebração.
E tudo parece intacto e total como se ali fosse o lugar que preserva em si a força nua do primeiro dia criado.

Final do conto A casa do mar de Sophia de Mello Breyner, 1970

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