terça-feira, 30 de julho de 2013

Eunice Muñoz e Pedro Lamares dizem Ruy Belo



Eunice Munoz e Pedro Lamares dizem Ruy Belo, 2011

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Aconteceu-me | Almada Negreiros

Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos !
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.

domingo, 28 de julho de 2013

sábado, 27 de julho de 2013

Reconhecimento à Loucucura | Almada Negreiros

Já alguém sentiu a loucura
vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto de Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem
nem resignação?
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente
e ganhar-Ihe, e ganhar-Ihe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira pra tudo?

Tu Só, loucura, és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas.
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar

Almada Negreiros

terça-feira, 23 de julho de 2013

Com que voz chorarei meu triste fado | Amália Rodrigues




Com que voz chorarei meu triste fado,
que em tão dura paixão me sepultou.
que mor não seja a dor que me deixou
o tempo, de meu bem desenganado.

Mas chorar não estima neste estado
aonde suspirar nunca aproveitou.
Triste quero viver, pois se mudou
em tisteza a alegria do passado.

Assim a vida passo descontente,
ao som nesta prisão do grilhão duro
que lastima ao pé que a sofre e sente.

De tanto mal, a causa é amor puro,
devido a quem de mim tenho ausente,
por quem a vida e bens dele aventuro.

Soneto de Luís Camões, música de Alain Oulman

Almada Negreiros



Mapa celeste de Almada Negreiros | Gravuras incisas no pórtico da FLUL

sábado, 20 de julho de 2013

L'amitié: la plus belle saison des quatre de la Terre



L'amitié

Beaucoup de mes amis sont venus des nuages
Avec soleil et pluie comme simples bagages
Ils ont fait la saison des amitiés sincères
La plus belle saison des quatre de la Terre

Ils ont cette douceur des plus beaux paysages
Et la fidélité des oiseaux de passage
Dans leurs cœurs est gravée une infinie tendresse
Mais parfois dans leurs yeux se glisse la tristesse

Alors, ils viennent se chauffer chez moi
Et toi aussi, tu viendras
Tu pourras repartir au fin fond des nuages
Et de nouveau sourire à bien d'autres visages

Donner autour de toi un peu de ta tendresse
Lorsqu'un autre voudra te cacher sa tristesse
Comme l'on ne sait pas ce que la vie nous donne
Il se peut qu'à mon tour je ne sois plus personne

S'il me reste un ami qui vraiment me comprenne
J'oublierai à la fois mes larmes et mes peines
Alors, peut-être je viendrai chez toi
Chauffer mon cœur à ton bois

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Eu e Almada Negreiros

Almada Negreiros está presente nos três edifícios emblemáticos da cidade universitária: Faculdade de  Letras à direita, solarenga, multicultural e colorida; Faculdade de  Direito, à esquerda, escura, soturna e fria*; a reitoria, ao centro, imponente, onde os nossos passos ecoavam ... 

Se um dia passarem por lá não deixem de reparar nas gravuras incisas que se encontram nas entradas destes edifícios, todos da sua autoria. Essencial documentar-se, aquiaqui e ainda aqui !

Tive o privilégio de conviver diariamente, talvez de uma forma um pouco leviana, com estas figuras durante quatro anos, neste espaço de saber essencial para a educação do meu gosto ou se preferirem sentido estético.

Gravuras incisas de Almada - pórtico da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

* não estou a exagerar nem a ser parcial, era mesmo assim!! As filas de placards cheios de pautas de notas de frequências e de exames eram o cartão de visita  de  quem entrava naquele espaço. Imagem que contrastava com a sua vizinha do lado, cujo átrio se enchia de placards com cartazes alusivos a eventos de cariz cultural! Opostas, em espelho, cada uma com a(s) sua(s) singularidade(s) mas ambas notáveis!

terça-feira, 16 de julho de 2013

Mariza e Tito Paris | Beijo de Saudade




Ondas sagradas do Tejo
Deixa-me beijar as tuas águas
Deixa-me dar-te um beijo
Um beijo de mágoa
Um beijo de saudade
Para levar ao mar e o mar à minha terra

Nas tuas ondas cristalinas
Deixa-me dar-te um beijo
Na tua boca de menina
Deixa-me dar-te um beijo, óh Tejo
Um beijo de mágoa
Um beijo de saudade
Para levar ao mar e o mar à minha terra


Minha terra é aquela pequenina
É Cabo Verde terra minha
Aquela que no mar parece criança
É filha do oceano
É filha do céu
Terra da minha mãe
terra dos meus amores

Bêjo Di Sodade
Onda sagrada di Tejo
Dixám'bejábu bô água
Dixám'dábu um beijo
Um bêjo di mágoa
Um bêjo di sodadi
Pá bô levá mar, pá mar leval'nha terra

Na bôs onda cristalina
Dixám'dábu um beijo
Na bô boca di mimina
Dixám'dábu um beijo óh Tejo
Um bêjo di mágoa
Um bêjo di sodadi
Pá bô levá mar, pá mar leval'nha terra

Nha terra ê quêl piquinino
È Cabo Verde, quêl quê di meu
Terra que na mar parcê minino
È fidjo d'oceano
È fidjo di céu
Terra di nha mãe
Terra di nha cretcheu

Almada Negreiros

estudo cénico Arlequim



Durante um tempo, a arte de Almada Negreiros acompanhou-me, por lugares que faziam parte integrante da minha vida, por isso também será um tema recorrente, aqui, em As Estações do Ano.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

Carinhoso | Manuela Azevedo



Música de Pixinguinha, arranjo de José Peixoto e Fernando Júdice, 2002

Faz de conta | Eugénio de Andrade

Faz de conta

- Faz de conta que sou abelha.
- Eu serei a flor mais bela

- Faz de conta que sou cardo.
- Eu serei somente orvalho.

- Faz de conta que sou potro.
- Eu serei sombra em Agosto.

- Faz de conta que sou choupo.
- Eu serei pássaro louco,
pássaro voando e voando
sobre ti vezes sem conta.

- Faz de conta, faz de conta.

Eugénio de Andrade

domingo, 14 de julho de 2013

Liberté, Égalité, Fraternité



Les sans-papiers

Nous sommes
Des étrangers
Des sans-papiers
Des hommes
Et des femmes
Sans domicile
Oh ! Notre-Dame
Et nous te demandons
Asile ! Asile !

 Nous sommes
Des étrangers
Des sans-papiers
Des hommes
Et des femmes
Sans domicile
Oh ! Notre-Dame
Et nous te demandons Asile ! Asile !

 Nous sommes plus de mille
Aux portes de la ville
Et bientôt nous serons
Dix mille et puis cent mille
Nous serons des millions
Qui te demanderons Asile !Asile !
(...)

d' après l' oeuvre de Victor Hugo, Notre Dame de Paris. Paroles, Luc Plamenteau; compositeur, Richard Cocciante et mise-en-scène, Gilles Maheu. Chanté par Luck Mérvil.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Corto Maltese | Hugo Pratt



Conheci esta personagem, assim como muita coisa na minha vida, nos anos 80 e nunca mais a esqueci.

"A liberdade tem de nos custar alguma coisa", e Corto Maltese sabia isso melhor do que ninguém. Percorrendo mares, oceanos e continentes, Corto segue as pistas de Melville, Stevenson e Conrad. Seguir a pista de Corto é iniciar o caminho das grandes aventuras.
Corto Maltese é um herói atípico, elegante, despreocupado. Não procura aventuras, são elas que vêm ter com ele. Homem de acção, apaixonado pela liberdade e pelo humanismo, percorre o mundo caótico do início de século passado à procura de um tesouro ou em busca de um sonho."

Não deixem de o conhecer!

The heart asks pleasure first | Michael Nyman



da banda sonora de O Piano de Jane Campion, 1993

terça-feira, 9 de julho de 2013

Segredo | Miguel Torga

Segredo

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar

Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

Miguel Torga

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Ao Sul | António Zambujo




Ao sul
À procura do meu norte
Subo as águas desse rio
Onde a barca dos sentidos
Nunca partiu

Lá longe
Inventei o dia azul
E o desejo de partir
Pelo prazer de chegar
Ao Sul

Cada um tem a sina que tem
Os caminhos são sempre de alguém
Ao Sul

Ao Sul
Entre dois braços abertos
Bate um coração maltês
Que se rende, que se dá
De vez

Por amor
Corto os frutos que criei
Corto os ramos que estendi
Pela raiz que abracei
Ao Sul

Cada um tem a sina que tem
Os caminhos são sempre de alguém
Ao Sul


Composto por João Monge

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Vou onde me leva o vento e não me sinto pensar | Fernando Pessoa

HOJE DE MANHÃ SAÍ MUITO CEDO

Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...

Não sabia que caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.

Assim tem sido sempre a minha vida, e
Assim quero que possa ser sempre -
Vou onde o vento me leva e não me
Sinto pensar.

Fernando Pessoa

Franz Kafka: inquietante e perturbador

Franz Kafka: inquietante e perturbador mas obrigatório.

    

A Metamorfose (1915) de Kafka por Black Moon Theatre



O Processo ( 1925)  de Kafka por Orson Wells

terça-feira, 2 de julho de 2013

Há mulheres que são maré em noites de tardes e calma | Sophia

O mar dos meus olhos

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma



segunda-feira, 1 de julho de 2013

Fotografia de cidades | José Luís Peixoto

FOTOGRAFIA DE MADRID

Madrid regressará sempre. São precisos anos
para aprender aquilo que apenas acontece com
a distância de anos. É por isso que posso afirmar
que Madrid regressará sempre. Não sei que tipo
de entendimento encontrámos. Eu e Madrid não
nos conhecemos bem. Sabemos o essencial e
inventamos tudo o resto. Tanto a minha vida,
como a vida de Madrid, já tiveram muitas formas.
No entanto, quando nos encontramos, somos
sempre o mesmo nome. Avaliamo-nos por
cicatrizes e pequenas marcas de idade.
Não estabelecemos metas, estamos cansados.
Eu e Madrid só queremos uma cama, mas,
se não houver, contentamo-nos com o chão e,
se não houver, contentamo-nos com um abraço.




FOTOGRAFIA DE SÃO FRANCISCO 

São Francisco és tu e são as tardes que passávamos 
no sofá, sentados ou deitados de todas as formas, 
em todas as dircções. Não guardo ressentimentos 
de São Francisco e chegará um tempo em que, 
de novo, seremos capazes de passar um fim-de-semana 
entre chapéus de sol e sol. A Califórnia não é eterna, 
mas há um certo tipo de silêncio que se procura sempre
e que se encontra apenas muito raramente. 
Esse é o teu brilho, São Francisco. Vais ver, teremos 
camisas de flores coloridas e saberemos rir-nos 
de tudo. E, contra todas as expetativas, quando 
um de nós estiver a morrer, o outro estará lá.

José Luís Peixoto em Gaveta de papéis, 2008