sexta-feira, 1 de maio de 2015

Trova do vento que passa de Manuel Alegre

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça 
o vento nada me diz. 

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas 
e os rios não me sossegam 
levam sonhos deixam mágoas. 

Levam sonhos deixam mágoas 
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz. 

Se o verde trevo desfolhas 
pede notícias e diz 
ao trevo de quatro folhas 
que morro por meu país. 

Pergunto à gente que passa 
por que vai de olhos no chão. 
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão. 

Vi florir os verdes ramos 
direitos e ao céu voltados. 
E a quem gosta de ter amos 
vi sempre os ombros curvados. 

E o vento não me diz nada 
ninguém diz nada de novo. 
Vi minha pátria pregada 
nos braços em cruz do povo. 

Vi minha pátria na margem 
dos rios que vão pró mar 
como quem ama a viagem 
mas tem sempre de ficar. 

Vi navios a partir 
(minha pátria à flor das águas) 
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome. 
Eu vi-te crucificada 
nos braços negros da fome. 

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste. 
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste. 

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo 
vi minha pátria florindo. 

E a noite cresce por dentro 
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz. 

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas. 
Não sabem ler é verdade 
aqueles pra quem eu escrevo. 

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa. 

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão 
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre

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