sábado, 3 de dezembro de 2011

O amigo I A noite de Natal de Sophia


















Ilustração de Júlio Resende



Era uma vez uma casa pintada de amarelo com um jardim à volta. No jardim havia tílias, bétulas, um cedro muito grande, uma cerejeira e dois plátanos. Era debaixo do cedro que Joana brincava. Com musgo  e ervas e paus fazia muitas casas pequenas encostadas ao grande tronco escuro. Depois imaginava os anõezinhos que, se existissem, poderiam morar naquelas casas. E fazia uma casa maior e mais complicada para o rei dos anões.
Joana não tinha irmãos e brincava sozinha. Mas de vez em quando vinham brincar os dois primos ou outros meninos. E, às vezes, ela ia a uma festa. (...)
E Joana tinha muita pena de não saber brincar com os outros meninos. Só sabia estar sozinha.
Mas um dia encontrou um amigo. Foi numa de manhã de outubro.
Joana estava encarrapitada no muro. E passou pela rua um garoto. Estava todo vestido de remendos e os seus olhos brilhavam como duas estrelas. Caminhava devagar pela beira do passeio sorrindo às folhas do Outono. O coração da Joana deu um pulo na garganta.
- Ah! - disse ela.
E pensou:
«Parece um amigo. É exatamente igual a um amigo.» E do alto do muro chamou-o:
- Bom dia!
O garoto voltou a cabeça, sorriu e respondeu:
- Bom dia!
O garoto voltou a cabeça, sorriu e respondeu:
- Bom dia!
Ficaram os dois um momento calados. Depois Joana perguntou:
- Como é que te chamas?
- Manuel - respondeu o garoto.
- Eu chamo-me Joana.
E de novo entre os dois, leve e aéreo, passou um silêncio. (...)

A noite de Natal de Sophia de Mello Breyner Andresen (excerto)

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