quarta-feira, 21 de março de 2012

Ouçamos Pedro Lamares! Segredo de Maria Teresa Horta

No dia 21 de Março, Dia Mundial da Poesia, ouçamos Pedro Lamares!



Segredo

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

Maria Teresa Horta

terça-feira, 20 de março de 2012

Nas quatro estações: MIMAR!

MIMAR é a palavra que me apetece juntar às outras que caracterizam estas estações, - confortar, apaixonar, refrescar, animar, aquecer e aconchegar. A canção de Caetano belíssima, embora num sentido restritivo e limitado, é a minha escolha para emoldurar esta amorável palavra em As estações do ano. A marcar o início da primavera.



domingo, 18 de março de 2012

O que nos apaixona e alegra na primavera.

A primavera é depois de amanhã, e no dia seguinte é o dia mundial da poesia. Como eu não imagino os meus dias sem poesia, deixo-vos, este poema de Alberto Caeiro dito por Pedro Lamares "Quando vier a primavera".


Quando vier a Primavera, 
Se eu já estiver morto, 
As flores florirão da mesma maneira 
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada. 
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme 
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria 
E a Primavera era depois de amanhã, 
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã. 
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo? 
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo; 
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. 
Por isso, se morrer agora, morro contente, 
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem. 
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele. 
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências. 
O que for, quando for, é que será o que é.

Alberto Caeiro

Não posso adiar o amor | António Ramos Rosa

Não posso adiar o amor para outro século
Não posso
Ainda que o grito sufoque na garganta
Ainda que o ódio estale e crepite e arda
Sob montanhas cinzentas
E montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
Que é uma arma de dois gumes
Amor e ódio

Não posso adiar
Ainda que a noite pese séculos sobre as costas
E a aurora indecisa demore
Não posso adiar para outro século a minha vida
Nem o meu amor
Nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

António Ramos Rosa

Five o'clock tear | Emanuel Félix

Coisa tão triste aqui esta mulher
com seus dedos pousados no deserto dos joelhos
com seus olhos voando devagar sobre a mesa
para pousar no talher

Coisa mais triste o seu vaivém macio
p'ra não amachucar uma invisível flora
que cresce na penumbra
dos velhos corredores desta casa onde mora

Que triste o seu entrar de novo nesta sala
que triste a sua chávena
e o gesto de pegá-la

E que triste e que triste a cadeira amarela
de onde se ergue um sossego um sossego infinito
que é apenas de vê-la
e por isso esquisito

E que tristes de súbito os seus pés nos sapatos
seus seios seus cabelos o seu corpo inclinado
o álbum a mesinha as manchas dos retratos

E que infinitamente triste triste
o selo do silêncio
do silêncio colado ao papel das paredes
da sala digo cela
em que comigo a vedes

Mas que infinitamente ainda mais triste triste
a chávena pousada
e o olhar confortando uma flor já esquecida
do sol
do ar
lá de fora
(da vida)
numa jarra parada

Emanuel Félix

sábado, 17 de março de 2012

Coincidência | Pedro Lamares



Se eu pudesse

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...

Alberto Caeiro


Terror de te amar

Terror de te amar num sítio tao frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.

Sophia de Mello Breyner

quarta-feira, 14 de março de 2012

O que nos aqueceu e confortou neste inverno

Neste inverno frio e primaveril aqueceram-me os dias soalheiros e luminosos que caracterizaram de forma inusitada esta estação.

A leitura de O memorial do convento também chegou em boa hora. A obrigatoriedade desta tarefa transformou-se numa descoberta, surpreendentemente agradável, para quem, até agora, ainda não tinha sido seduzida por esta escrita. Só por Saramago!

Aquecem-me e confortam-me as pessoas que fazem parte da minha vida e em quem eu me aconchego, esteja frio ou calor.

Aguardemos, então, pela primavera que já se faz sentir e com ela a sensação sempre agradável do recomeço.

de As estações do ano

terça-feira, 13 de março de 2012

Os cavalos também se abatem de Emanuel Amorim

"Enquanto preparava a mudança de casa empacotando a quantidade estúpida de livros que tenho, praguejava contra esse meu vício de comprar mais e mais. Numa pausa e por mero acaso, peguei no Lunário do Al Berto e li o seguinte:

"«Sempre levei na bagagem muito pouca coisa» pensou Beno, esticando o pescoço para a frente de modo a seguir o voo sinuoso duma gaivota no enquadramento da janela. «Uma ou duas camisas, t-shirts, dois ou três pares de calças e uma infinidade de minúsculos objectos que nunca me serviam para nada. Viajei com o absolutamente necessário. E ao chegar a qualquer lugar comprava o que me fazia falta, depois, assim que prosseguia caminho, deitava tudo fora. Sempre achei que o que me era útil e indispensável num sítio deixaria de o ser noutro...»"

E pensei:
“É isto que quero para mim! Viver apenas com o indispensável e evitar estar preso ao acessório”
Esta ideia romântica fez-me ponderar fazer uma venda de garagem e vender todos os meus livros, discos e filmes. Com esse dinheiro faria uma viagem de mochila às costas durante um mês e voltaria diferente, mais capaz e confiante para enfrentar os desafios do dia-a-dia. Seria uma experiência que mudaria a minha vida. Felizmente tal ideia passou-me rápido e dias depois alombei com as caixas até um terceiro andar sem elevador. O romantismo não é para mim."

Este post foi copiado do blogue Os cavalos também se abatem, cuja visita eu recomendo vivamente a quem que por aqui passa, por acaso ou não. Pelo bom gosto das escolhas do seu editor e pela sua escrita.

quarta-feira, 7 de março de 2012

De Benjamin Lacombe

José Saramago | Memorial do Convento



"Encontrou-o. Seis vezes passou por Lisboa, esta era a sétima. Vinha do sul, dos lados de Pegões. Atravessou o rio, quase noite, na última barca que aproveitara a maré. Não comia há quase vinte e quatro horas. Trazia algum alimento no alforge, mas, de cada vez que ia levá-lo à boca, parecia que sobre a sua mão outra mão se pousava, e uma voz lhe dizia, Não comas, que o tempo é chegado. Sob as águas escuras do rio, via passar os peixes a grande profundidade, cardumes de cristal e prata, longos dorsos escamosos ou lisos. A luz interior das casa coava-se através das paredes, difusa como um farol no nevoeiro. Meteu-se pela Rua Nova dos Ferros, virou para a direita na igreja de Nossa Senhora da Oliveira, em direcção ao Rossio, repetia um itinerário de há vinte e oito anos. Caminhava no meio de fantasmas, de neblinas que eram gente. Entre os mil cheiros fétidos da cidade, a aragem nocturna trouxe-lhe o da carne queimada. Havia multidão em S. Domingos, archotes, fumo negro, fogueiras. Abriu caminho, chegou-se às filas da frente. Quem são, perguntou a uma mulher que levava uma criança ao colo, De três sei eu, aquele além e aquela são pai e filha que vieram por culpa do judaísmo, e o outro, o da ponta, é um que fazia comédias de bonifrates e se chamava António José da Silva, dos mais não ouvi falar.

São onze os supliciados. A queima já vai adiantada, os rostos mal se distinguem. Naquele extremo arde um homem a quem falta a mão esquerda. Talvez por ter a barba enegrecida, prodígio cosmético da fuligem, parece mais novo. E uma nuvem fechada está no centro do seu corpo. Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia  e a Blimunda." 

final de Memorial do Convento de José Saramago, Caminho

sexta-feira, 2 de março de 2012

Arrábida: conforta-me, anima-me e aconchega-me.



"Quando só há gaivotas e solidão, é que a Arrábida se revela, se entrega inteirinha." Sebastião da Gama em Diário

"Arrábida – Serra de um Poeta” é um filme de cerca de dez minutos com que Miguel Brazuna se apresentou ao concurso “Arrábida – Curtas e Doc’s 2011”, promovido pela AMRS - Associação de Municípios da Região Sul - no âmbito da candidatura da Arrábida a Património Mundial. O filme baseia-se no livro de poemas de Sebastião da Gama, Serra-Mãe.

Balançar ...

de As estações do ano












Balançar de Mafalda Veiga.