terça-feira, 23 de abril de 2013

BOAS LEITURAS!


"O pequeno Carlos estava um pouco assustado com aquilo mas sabia que nos sonhos tudo pode acontecer e por isso não disse nada. O pai, o pai do seu sonho, levou-o depois até uma praia imensa, em cujas dunas cresciam grandes abóboras douradas
 - Olha bem para elas - disse-lhe o pai. - Repara no tamanho e na textura. Estão enormes, brilhantes e redondas. Estão maduras. Daqui a pouco vão nascer os anjos." O Sonhador

"Então, numa manhã de muito sol, com o mar todo iluminado, Mário viu que a sua barriga se abria,e viu saltarem lá de dentro dezenas de pequeninos cavalos-marinhos. Eram os seus filhos.
Talvez há pouco me tenha enganado. Parece-me agora que esta história tem um final feliz. Porque decidi que ela acaba aqui, num nascimento, e porque a partir daquela manhã de sol, passou a existir um pai que dá à luz." O pai que se tornou mãe


Estará uma noite quente, caminharemos de mãos dadas. O Anjo não virá, que teria lá de fazer? vamos nós. Não terei medo da tua presença com a toda a sua força de me fazer ajoelhar. Olharei o teu corpo na sua transparência incorruptível. Sofrerei em mim a descarga do universo e não gritarei o teu nome. Porque estará em mim e eu hei de sabê-lo. A areia brilhará de uma luz pálida, pisá-la-emos devagar a um impulso fortíssimo e lento. Estaremos nus desde o início, sem vergonha anterior. Nudez primitiva, não a saberemos. Porque será uma nudez para antes de os deuses nascerem. Então mergulharemos nas águas do rio e deitar-nos-emos na areia. E olharemos o céu limpo e sem estrelas. E acharemos perfeitamente natural, porque a iluminação estará em nós. Erguer-nos-emos por fim e eu baixar-me-ei ao rio e trarei a água na concha das mãos. E derrámá-la-ei imensamente e devagar sobre a tua cabeça. E direi para toda a história futura, na eternidade de nós

  - Eu te batizo em nome da Terra, dos astros e da perfeição.   E tu dirás está bem."


 

-  Nunca reparaste que há certas coisas que nós já vimos muitas vezes e que de vez em quando é como se fosse a primeira?
- Nunca reparei - disse a rapariga.
- Nunca ficaste a olhar o mar muito tempo?
- Sim, já fiquei.- Ou o lume de um fogão? - disse o rapaz.
- E que queres dizer com isso?
- Ou uma flor. Ou ouvir um pássaro cantar.
- Sim, sim.
- Não há nada mais igual do que o mar ou o lume ou uma flor. Ou um pássaro. E a gente não se cansa de os ver ou ouvir. Só é preciso que se esteja disposto para achar diferença nessa igualdade. Posso olhar o mar e não reparar nele, porque o vi. Mas posso estar horas a olhar e não me cansar da sua monotonia."










"Caminhava no meio de fantasmas, de neblinas que eram gente. Entre os mil cheiros fétidos da cidade, a aragem nocturna trouxe-lhe o da carne queimada. Havia multidão em S. Domingos, archotes, fumo negro, fogueiras. Abriu caminho, chegou-se às filas da frente. Quem são, perguntou a uma mulher que levava uma criança ao colo, De três sei eu, aquele além e aquela são pai e filha que vieram por culpa do judaísmo, e o outro, o da ponta, é um que fazia comédias de bonifrates e se chamava António José da Silva, dos mais não ouvi falar. São onze os supliciados. A queima já vai adiantada, os rostos mal se distinguem. Naquele extremo arde um homem a quem falta a mão esquerda. Talvez por ter a barba enegrecida, prodígio c
osmético da fuligem, parece mais novo. E uma nuvem fechada está no centro do seu corpo.   

Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia  e a Blimunda."







Ouve:  
There is a sea,

A far and distant sea
Beyond the farthest line,
Where all my ships that went astray.
Where all my dreams of yesterday
Are mine. 

A Praia
 

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