domingo, 1 de dezembro de 2013

O caçador de borboletas | José Eduardo Agualusa

"(...)
- Agora és minha - disse-lhe -, toda a tua beleza me pertence.

- Isso não é possível- era a borboleta que falava.- Sabes como surgiram as borboletas? Foi há muito, muito tempo, na Índia. Vivia então ali um homem sábio e bom, chamado Buda ...
Vladimir esfregou os olhos:
- Meu Deus, estou a sonhar?

A borboleta riu-se:
- Isso não tem importância. Ouve a minha história. Buda, o tal homem sábio e bom, achou que faltava alegria ao ar. Então colheu uma mão cheia de flores e lançou-as ao vento e disse: voem! E foi assim que surgiram as primeiras borboletas. A beleza das borboletas é para ser vista no ar, entendes? É uma beleza para ser voada.

- Não! - disse Vladimir abanando a cabeça. - Eu sou um caçador de borboletas. As borboletas nascem, voam e morrem, e se não forem os colecionadores, como eu, desaparecem para sempre.
A borboleta riu-se de novo (um riso calmo, como um regato correndo ...)

- Estás enganado. Há certas coisas que não se podem guardar. Por exemplo, não podes guardar a luz do luar, ou a brisa perfumada de um pomar de macieiras. Não podes guardar as estrelas dentro de uma caixa. No entanto podes colecionar estrelas. Escolhe uma quando a noite chegar. Será tua. Mas deixa-a guardada na noite. É ali o lugar dela.

Vladimir começava a achar que a borboleta tinha razão.
- Se eu te libertar agora - perguntou -, tu serás minha?
A borboleta fechou e abriu as asas iluminado o frasco com uma luz de todas as cores.
- Já sou tua - disse -, e tu já és meu. Sabes? Eu coleciono caçadores de borboletas.

Vladimir regressou a casa alegre como um pássaro. O pai quis saber se ele tinha feito uma boa caçada. O menino mostrou-lhe com orgulho o frasco vazio:

- Muito boa - disse - Estás a ver? Deixei fugir a borboleta mais bela do mundo."

in Estranhões & Bizarrocos (estórias para adormecer anjos) de José Eduardo Agualusa. Ilustrado por Henrique Cayatte.

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