"O mais difícil não é ir à Arrábida, porque no Verão há carreiras de camionetas, no inverno há em Azeitão táxis ou carroças ou jeriquinhos tão prestáveis como os da Cacilhas de antigamente, e de janeiro a dezembro, para muita e muito boa gente, há duas pernas vigorosas e de boa vontade que fazem transpor a Serra pelo Vale do Picheleiro. Difícil, difícil, é entendê-la: porque boas praias, boas sombras e boas vistas há-as em toda a parte para os bons banhistas, os bons amigos de bem-comer, os bons turistas; o que não há em toda a parte é a religiosidade que dá à Serra da Arrábida elevação e sentido. Sabe-se lá se o alor místico lhe vem da origem, se lho deixaram - inefável herança! - os franciscanos do seu Convento?... Mas é fora de dúvida que o visitante, se o não apreendeu, saiu da Arrábida sem sequer ter entrado nela verdadeiramente!
Vá sozinho, suba ao Convento, que é onde o espírito da Serra converge e como que ganha forma; leve, se quiser, os versos de Agostinho (bem-aventurado, que no-lo editou, o Professor Mendes dos Remédios!) e experimente como afinal é fácil estar a sós com Deus.
Quando, de rosado, começa a arroxear-se o horizonte, a Serra é um vulto de sombra parado a meio do silêncio. Pios de ave, como goteiras, piguelingam de quando em quando e de onde a onde - e damos então mais consciente notícia do grande silêncio. Dizemos:
Assim com cousas mudas conversando,
com mais quietação delas aprendo
que outras que há, ensinar querem falando.
Se a Lua surgir, o mato começa a desenhar no chão arabescos que já sabemos ler; empalidece mais o Convento e nós, compenetrados da beleza divina (ou franciscana?) das coisas, somos a grande porta que se fecha sobre a Serra para a Serra dormir, pela noite longa e azulada de Estrelas, na sua, meditação que já dura séculos.
0 Céu fica-lhe perto: Bastaria acordar a meio da noite... Bastaria, para que Deus a ouvisse, sonhar alto um verso de Frei Agostinho, dos muitos que ele rezou e ela sabe de cor... "
Sebastião da Gama
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