sábado, 22 de dezembro de 2012
domingo, 16 de dezembro de 2012
Adeus de Eugénio de Andrade por Guilherme Gomes
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Mai Fali e | Sete Lágrimas
Mai Fali e (canção tradicional de Timor)
mai fali e, fila fali e. mama bolu ita fali e.
mai fali e, fila fali e. mama bolu ita fali e.
loron atu tun ona fulan atu sae ona. mama bolu ita fali e
loron atu tun ona fulan atu sae ona. mama bolu ita fali e
domingo, 9 de dezembro de 2012
Ler José Rodrigues Miguéis.
Estamos a dois passos do Natal. O céu toldou-se, foi-se embora o sol que gozámos quase durante duas semanas, mas em compensação o frio abateu. Veio a chuva, e os dias, mais curtos, estão fuscos. No lento escurecer destas tardes grisalhas, vejo os transeuntes apressados que voltam das docas ou do emprego, a caminho das sopas, sombras anónimas curvadas debaixo do vento e do aguaceiro. Uma paz irreal parece escorrer do céu, misto de azul pálido e rosa diluído, com a chuva. O seminário cresce, avulta no crepúsculo; e de súbito os vitrais da igreja acendem-se lá em baixo, luz frouxa, de caleidoscópio, com predomínios de ouro.Dão quase a ilusão ... No silêncio atapetado de verdura e humidade, por entre o susurro distante e ameaçador da metrópole, chega até mim a ressonância grave dos cânticos e a voz abafada do órgão. Lá adiante, na Nona Avenida, acendem-se as insígnias a gás néon das tabernas e bares, que enchem a névoa dum fulgor de lareiras acesas. E só agora eu compreendo a atracção de todos estes ópios sobre a gente que passa nas ruas molhadas e hostis, sob um peso dum dia de fadigas e na perspectiva talvez dum serão solitári e angustioso. Os homens procuram os seus narcóticos.
Altas horas da noite, findo o meu trabalho, ergo-me da mesa e vou até à janela olhar a grande massa escura do seminário: telhados, torres, coruchéus, recortam-se da névoa ensanguentada de clarões. A paz de Deus no tumulto incessante. Vejo uma luz acender-se numa distante mansarda Tudor: alguém que estuda ou reza. Os grandes olmeiros da cerca recortam-se até aos raminhos mais altos, todos nus, com a precisão duma miniatura japonesa na laca do céu de incêndio. Os troncos enormes escorrem água, reluzem sinistramente à passagem dos faróis dum auto. E a cidade exala de repente uma solidão que me sufoca. Sinto o desejo de fugir antes que isto se apodere de mim... Só poderia libertar-me se escrevesse um poema.
José Rodrigues Miguéis, O Natal do Dr. Crosby (Do Diário dum expatriado) em LÈAH e outras histórias, edicão do Círculo de Leitores, s/d.
sábado, 8 de dezembro de 2012
Flor Bela Espanca
Caem as folhas mortas sobre o lago;
Na penumbra outonal, não sei quem tece
As rendas do silêncio… Olha, anoitece!
- Brumas longínquas do País do Vago…
Veludos a ondear… Mistério mago…
Encantamento… A hora que não esquece,
A luz que a pouco e pouco desfalece,
Que lança em mim a bênção dum afago…
Outono dos crepúsculos doirados,
De púrpuras, damascos e brocados!
-Vestes a terra inteira de esplendor!
Outono das tardinhas silenciosas,
Das magníficas noites voluptuosas
Em que eu soluço a delirar de amor…
Florbela Espanca (Vila Viçosa, 8 de Dezembro de 1894 — Matosinhos, 8 de Dezembro de 1930), uma das maiores poetisas do século XX.
terça-feira, 13 de novembro de 2012
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
As coisas melhores são feitas no ar
As coisas melhores são feitas no ar,
andar nas nuvens, devanear,
voar, sonhar, falar no ar,
fazer castelos no ar
e ir lá para dentro morar
... ou então estar em qualquer sítio só a estar,
a respiração a respirar,
o coração a pulsar,
o sangue a sangrar,
a imaginação a imaginar,
os olhos a olhar
(embora sem ver),
e ficar muito quietinho a ser,
os tecidos a tecer,
os cabelos a crescer.
E isto tudo a saber
que isto tudo está a acontecer!
As coisas melhores são de ar
só é preciso abrir os olhos e olhar,
basta respirar.
Manuel António Pina, in "O Pássaro da Cabeça" Ed. Quasi
andar nas nuvens, devanear,
voar, sonhar, falar no ar,
fazer castelos no ar
e ir lá para dentro morar
... ou então estar em qualquer sítio só a estar,
a respiração a respirar,
o coração a pulsar,
o sangue a sangrar,
a imaginação a imaginar,
os olhos a olhar
(embora sem ver),
e ficar muito quietinho a ser,
os tecidos a tecer,
os cabelos a crescer.
E isto tudo a saber
que isto tudo está a acontecer!
As coisas melhores são de ar
só é preciso abrir os olhos e olhar,
basta respirar.
Manuel António Pina, in "O Pássaro da Cabeça" Ed. Quasi
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
A tua presença de Fausto
Mesmo sabendo que a efemeridade é uma característica da vida e correndo o risco de amanhã já não ser assim: a canção mais bonita que eu já ouvi.
E nada mais importa neste dia de outono chuvoso.
E nada mais importa neste dia de outono chuvoso.
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
Ainda não é o fim nem o princípio do mundo ...
Baseada nas crónicas e na poesia de Manuel António Pina, João de Brites encenou, O Bando apresentou Ainda não é o fim nem o princípio do mundo, calma é apenas um pouco tarde, "um ESPECTÁCULO DE TEATRO que é um MOVIMENTO DE RESISTÊNCIA que é um CONCERTO ENCENADO que é um ARRAIAL POPULAR que é uma PRIMAVERA ANUNCIADA." O Bando
Fotografia de Pedro Soares
Num pequeno largo da vila de Palmela, numa noite de primavera, em que a chuva esperou pelo fim do espetáculo para não nos perturbar.
«Mães e filhos ocupam as ruas de uma cidade. Procuram as raízes da história e as estórias da revolução. Procuram conhecer essa primavera que lhes escapou, essa primavera pura e idílica que ainda sonham, essa primavera humana e destroçada que vislumbram. Trazem anedotas, gritos e boatos. Trazem freios nos dentes, cangas às costas, baldes e sonhos, promessas de destinos desconhecidos. Conhecem o peso dos sacrifícios e, como todos nós, tanto se entusiasmam e libertam como desistem e aprisionam.»
Num mundo que se constrói «entre o estrondo e o sussurro, entre a festa e o cansaço, entre a esperança e o derrotismo, entre a celebração coletiva e a amargura de cada um».
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Um romance é um biombo
"1 - Fevereiro (sábado) 1969. Fiz cinquenta e três anos há dias. Como é óbvio, não acredito. Mas enfim, é a opinião do Registo Civil. Acabou-se, fiz cinquenta e três. É aliás uma idade inverosímil, a minha, desde os cinquenta. E então, lembrei-me: e se eu tentasse uma vez mais o registo diário do que me foi afetando? Admiro os que o conseguiram desde a juventude. Nunca fui capaz. Creio que por pudor, digamos, falta de coragem. Um romance é um biombo: a gente despe-se por detrás. Isto não. Mesmo que não falemos de nós. Aliás como os outros, desconheço-me."
Conta-Corrente de Vergílio Ferreira
Conta-Corrente de Vergílio Ferreira
terça-feira, 9 de outubro de 2012
A quem passa por aqui, por acaso, ou não.
"A minha maior ambição é ficar, um dia, tão espantado com qualquer coisa que faça, como fiquei espantado com muita música que ouvi. É difícil ... tanto que o tempo vai passando, e o espanto, a capacidade de espanto, tende a desaparecer, ou ficar menos ativa, de algum modo." JP Simões
Este post é dedicado a alguém que não perdeu essa capacidade.
Apesar de sabermos que nos é familiar, é sempre boa a sensação de pensarmos que é a primeira vez que a ouvimos.
I'll Be There é uma canção soul escrita por Berry Gordy, Jr., Bob West, Hal Davis, and Willie Hutch, gravada pela primeira vez por Jackson Five, em 1970. Aqui, em As estações do ano, Imany.
I'll Be There é uma canção soul escrita por Berry Gordy, Jr., Bob West, Hal Davis, and Willie Hutch, gravada pela primeira vez por Jackson Five, em 1970. Aqui, em As estações do ano, Imany.
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
As estações do ano: música
"Porque os meus dias necessitam de uma banda-sonora que faça suportar algumas das angústias que os atravessam. Ou simplesmente porque o meu dia foi um daqueles dias que irei recordar mais tarde, e me lembrarei da música que estava a passar naquele ínfimo momento de felicidade inocente." As canções dos meus dias".
Hoje, convido-vos a ouvir a música que passa em As estações do ano: JP Simões, Yann Tiersen, Patricia Kaas, Pedro Jóia, Madredeus, Dead Combo, Lhasa, Fado em Si Bemol, Noiserv, Tereza Salgueiro ...
"É lá, é lá que eu vou sentir o vento e posso provar a tempo todos os frutos de cada estação ..."
A minha escolha para comemorar o dia mundial da música: A estrada da montanha de Pedro Ayres de Magalhães.
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
Eu te batizo em nome da Terra, dos astros e da perfeição.
"E vão sendo horas enfim de descermos o rio. Amanhã talvez? Hoje. Um dia. Estará uma noite quente, caminharemos de mãos dadas. O Anjo não virá, que teria lá de fazer? vamos nós. Não terei medo da tua presença com a toda a sua força de me fazer ajoelhar. Olharei o teu corpo na sua transparência incorruptível. Sofrerei em mim a descarga do universo e não gritarei o teu nome. Porque estará em mim e eu hei de sabê-lo. A areia brilhará de uma luz pálida, pisá-la-emos devagar a um impulso fortíssimo e lento. Estaremos nus desde o início, sem vergonha anterior. Nudez primitiva, não a saberemos. Porque será uma nudez para antes de os deuses nascerem. Então mergulharemos nas águas do rio e deitar-nos-emos na areia. E olharemos o céu limpo e sem estrelas. E acharemos perfeitamente natural, porque a iluminação estará em nós. Erguer-nos-emos por fim e eu baixar-me-ei ao rio e trarei a água na concha das mãos. E derrámá-la-ei imensamente e devagar sobre a tua cabeça. E direi para toda a história futura, na eternidade de nós.
- Eu te batizo em nome da Terra, dos astros e da perfeição.
E tu dirás está bem."
Lisboa, 29 de Dezembro de 1989
Final do romance Em Nome da Terra, de Vergílio Ferreira
O texto mais bonito que eu conheço.
O texto mais bonito que eu conheço.
sábado, 22 de setembro de 2012
terça-feira, 18 de setembro de 2012
O que me refrescou e animou neste verão.
Summer beaches parties ... sunsets proliferaram neste verão, conhecida também por silly season, mas o verão, para mim, é mesmo não fazer nada, como diz a canção "Nada melhor do que não fazer nada ..." cantada em português. Uma canção de todas as estações.
O que me refrescou? Obviamente os banhos e mergulhos nas águas mais ou menos mornas, mais ou menos frias, mais ou menos calmas das praias por onde me veraneei. Todas bonitas!
O que me refrescou? Obviamente os banhos e mergulhos nas águas mais ou menos mornas, mais ou menos frias, mais ou menos calmas das praias por onde me veraneei. Todas bonitas!
sábado, 8 de setembro de 2012
Paulo de Carvalho
Amor sem palavras de Joaquim Pessoa (poema).
Paulo de Carvalho festejou, neste verão, 50 anos de carreira. Parabéns!
Paulo de Carvalho festejou, neste verão, 50 anos de carreira. Parabéns!
quarta-feira, 5 de setembro de 2012
Festa das Vindimas em Palmela
Marcha das Vindimas 2012 (excertos)
Agora que és só minha
E eu também sou só teu,
Da Europa és rainha
E o mundo é todo meu.
É aqui que tu e eu
Voltaremos a encontrar-nos
E vai recomeçar tudo, do princípio, outra vez.
Letra e música de Jorge Salgueiro. Canta Ivo Soares
Estamos quase no final do verão, época das vindimas, tempo para festejar e saborear o que a vida nos dá. De cor âmbar com laivos esverdeados. Aroma a caramelo, laranja e especiarias. Paladar redondo, frutado e muito suave. Moscatel.
quarta-feira, 22 de agosto de 2012
Burn it blue | Caetano e Lila Daws
Neste verão, Caetano fez 70 anos. Só temos que lhe agradecer as bonitas interpretações com que nos tem agraciado ao longo de todos estes anos.
Burn it blue de Goldenthal. Banda sonora do filme Frida., baseado na vida da pintora mexicana Frida Kahlo.
Burn this house
Burn it blue
Heart running on empty
So lost without you
But the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she’s free to fly…
Woman so weary
Spread your unbroken wings
Fly free as the swallow sings
Come to the fireworks
See the dark lady smile
She burns…
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she’s free to fly…
Burn this night
Black and blue
So cold in the morning
So cold without you
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she’s free to fly
Y la noche que se incendia,
Y la cama que se eleva,
A volar…
And of the dark days
Painted in dark gray hues
They fade with the dream of you
Wrapped in red velvet
Dancing the night away
I burn…
Midnight blue
Spread those wings
Fly free with the swallows
Fly one with the wind
Y ella es flama que se eleva,
Y es un pájaro a volar
Y es un pájaro a volar
En la noche que se incendia,
El infierno es este cielo
Estrella de oscuridad
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she ’s free to fly
Just a spark in the sky
Painting heaven and hell
Much brighter
Burn this house
Burn it blue
Heart running on empty
So lost without you
Burn this house
Burn it blue
Heart running on empty
So lost without you
But the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she’s free to fly…
Woman so weary
Spread your unbroken wings
Fly free as the swallow sings
Come to the fireworks
See the dark lady smile
She burns…
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she’s free to fly…
Burn this night
Black and blue
So cold in the morning
So cold without you
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she’s free to fly
Y la noche que se incendia,
Y la cama que se eleva,
A volar…
And of the dark days
Painted in dark gray hues
They fade with the dream of you
Wrapped in red velvet
Dancing the night away
I burn…
Midnight blue
Spread those wings
Fly free with the swallows
Fly one with the wind
Y ella es flama que se eleva,
Y es un pájaro a volar
Y es un pájaro a volar
En la noche que se incendia,
El infierno es este cielo
Estrella de oscuridad
And the night sky blooms with fire
And the burning bed floats higher
And she ’s free to fly
Just a spark in the sky
Painting heaven and hell
Much brighter
Burn this house
Burn it blue
Heart running on empty
So lost without you
domingo, 12 de agosto de 2012
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
Verão: Vanessa e Ben Harper
Boa sorte / Good luck | Vanessa da Mata e Ben Harper
Festival do Sudoeste, 2 de agosto de 2012
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
Verão: Boss AC
Sai à rua e abraça alguém e vai correr bem, tu vais ver.
Tu és mais forte | Boss AC
Feira de Santiago, 25 de julho de 2012
Tu és mais forte | Boss AC
Feira de Santiago, 25 de julho de 2012
sexta-feira, 13 de julho de 2012
terça-feira, 10 de julho de 2012
Viens, fais la fète ...
Viens dancer toujour
Célébrer l'amour
Séche tes larmes
Regarde autour de toi
Souris a n'importe quoi
Il faut toucher les choses
Bois ton vin
Sens tes roses
Suis les mots, du poète
Prends la vie
Fais la fête
Vis l'éclat des jours
Viens chanter l'amour
Ouvre tes portes
Reçois la vie chez toi
Gonfle ton coeur de joie
Il faut toucher les choses
Bois ton vin
Sens tes roses
Suis les mots, du poète
Prends la vie
Fais la fête
domingo, 8 de julho de 2012
quarta-feira, 4 de julho de 2012
As mais belas coisas do mundo
"O meu avó sempre me dizia que a melhor parte da vida haveria de ser ainda um mistério e que o importante era viver."
"As coisas que se passam no coração, isso aprende-se com o tempo, são as mais importantes de todas."
Valter Hugo Mãe, As Mais Belas Coisas do Mundo, 1.ª edição, Lisboa, Editora Objetiva, 2010
domingo, 1 de julho de 2012
quinta-feira, 21 de junho de 2012
Verão: Joana Vasconcelos
Coração independente de Joana Vasconcelos
Durante todo o verão as esculturas de Joana vão embelezar o palácio de Versalhes e Paris vai ficar ainda mais bonita. O verão, esse, vai ser, de certeza animado e refrescante.
|
terça-feira, 19 de junho de 2012
O que me apaixonou e animou nesta primavera? A LUA!
Especificamente, nesta primavera, só me ocorre falar da lua e da poesia que ocuparam um espaço significativo em As estações do ano. As razões deste protagonismo são circunstanciais, como quase tudo na minha vida. Revi o que tinha sido publicado, e constatei que "coincidência(s)" é um título bisado, nestas estações: Pedro Lamares e José Saramago.
E a propósito, ou não, ouçamos os Santos Pecadores em Tela, banda sonora de Contraluz, filme que, também, nos fala de coincidências, encontros e destino.
"Na minha sala sob a luz do luar ..."
O que me apaixonou e animou nesta primavera? A LUA!
quinta-feira, 14 de junho de 2012
Quando seguimos sozinhos ...
Voltarei à minha terra
quando já estiver cansada
do destino que me leva
a andar de estrada em estrada
por enquanto eu adivinho:
este destino que pra mim escolhi
vai chegando de mansinho
quando eu descubro o caminho
que me vai levar a ti
minha terra é a distância
minha casa é o segundo
em que eu lembro aquela ânsia
que me chega da infância
e me leva pelo mundo
por isso é que sou menina
e não vou mudar de idade
chamo terra à minha sina
e chamo casa à saudade
se o relógio se adianta
prende-me o fado à garganta
e obriga-me a cantar
como se a qualquer momento
se escutasse a voz do vento
nas profundezas do mar
mas se o ponteiro se atrasa
chamo terra e chamo casa
ao antes e ao depois,
quando seguimos sozinhos
vamos abrindo caminhos
onde às vezes cabem dois
Letra: Tiago Torres da Silva. Música: Armandinho. Arranjos: Pedro Jóia.
Voz: Tereza Salgueiro
Guitarra: Pedro Jóia
quarta-feira, 6 de junho de 2012
terça-feira, 5 de junho de 2012
Trouxeram-me um búzio ...
Búzio
Trouxeram-me um búzio.
Dentro dele canta
um mar de mapa.
Meu coração
enche-se de água
com peixinhos
de sombra e prata.
Trouxeram-me um búzio.
um mar de mapa.
Meu coração
enche-se de água
com peixinhos
de sombra e prata.
Trouxeram-me um búzio.
Federico Garcia Lorca
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Poesia: Mia Couto
"Confidência"
Diz o meu nome
pronuncia-o
como se as sílabas te queimassem os lábios
sopra-o com a suavidade
de uma confidência
para que o escuro apeteça
para que se desatem os teus cabelos
para que aconteça
Porque eu cresço para ti
sou eu dentro de ti
que bebe a última gota
e te conduzo a um lugar
sem tempo nem contorno
Porque apenas para os teus olhos
sou gesto e cor
e dentro de ti
me recolho ferido
exausto dos combates
em que a mim próprio me venci
Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos
No húmido centro da noite
diz o meu nome
como se eu te fosse estranho
como se fosse intruso
para que eu mesmo me desconheça
e me sobressalte
quando suavemente
pronunciares o meu nome.
Mia Couto
domingo, 27 de maio de 2012
Às vezes é no meio de tanta gente ...
Silêncio e tanta gente
Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro o amor em teu olhar
É uma pedra
É um grito
Que nasce em qualquer lugar
Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal aquilo que sou
Sou um grito
Ou sou uma pedra
De um altar aonde não estou
Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar
Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão
Às vezes é no meio do silêncio
Que descubro as palavras por dizer
É uma pedra
Ou é um grito
De um amor por acontecer
Às vezes é no meio de tanta gente
Que descubro afinal p'ra onde vou
E esta pedra
E este grito
São a história d'aquilo que sou
Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar
Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão
Às vezes sou o tempo que tarda em passar
E aquilo em que ninguém quer acreditar
Às vezes sou também
Um sim alegre
Ou um triste não
E troco a minha vida por um dia de ilusão
E troco a minha vida por um dia de ilusão
poema e música de Maria Guinot
sábado, 19 de maio de 2012
Perdemos os sonhos ou são os sonhos que nos perdem?
"Mãe, perdemos os sonhos ou são os sonhos que nos perdem?" in Ainda não é o fim de Manuel António Pina
Esta noite, no pequeno largo D' El Rei D. Afonso Henriques, o Bando representou para quem lá esteve "Ainda não é o fim nem o princípio do mundo, calma é apenas um pouco tarde", texto (belíssimo!) de Manuel António Pina e encenação (espetacular!) de João Brites.
Apesar de ser primavera, a noite estava fresca e choveu. Só no fim ...
Apesar de ser primavera, a noite estava fresca e choveu. Só no fim ...
segunda-feira, 14 de maio de 2012
O grande palco das marionetas: FIMFA!
Distraí-me com a lua e deixei passar a estreia do FIMFA, Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas, que começou no início de maio e que termina no próximo domingo.
"O FIMFA Lx afirmou-se nacional e internacionalmente, desde 2001, como um espaço de programação contemporânea, inovadora e alternativa, que se desenrola a partir de critérios rigorosos de qualidade e reconhecido mérito artístico. É sustentado por um conjunto amplo de parcerias de programação e descentralização, apresentando as formas contemporâneas de teatro de marionetas para um público adulto, mas não esquecendo o seu contraponto com as mais tradicionais. Espectáculos que revelam técnicas ancestrais estarão aqui em confronto com linguagens inovadoras. Durante dezassete dias o grande palco das marionetas e das formas animadas regressa a Lisboa, que se transforma no centro desta expressão artística. Desenhado numa perspectiva de transversalidade artística, o FIMFA desenvolve uma programação que integra uma enorme diversidade de técnicas e propostas estéticas, estabelecendo ligações entre a marioneta, dança, vídeo, circo, teatro, instalações plásticas... "
A Tarumba está, mais uma vez, de parabéns pela organização deste mágico festival que é o FIMFA.
sexta-feira, 11 de maio de 2012
Noite de Bernardo Sassetti
Há momentos em que apenas a música nos acalenta.
Noite, de Bernardo Sassetti, tema da banda sonora do filme Alice de Marco Martins.
Noite, de Bernardo Sassetti, tema da banda sonora do filme Alice de Marco Martins.
domingo, 6 de maio de 2012
Primavera: Primavera
Mais uma vez, de volta a casa, a horas tardias, na RFM, ouvia-se Primavera dos GIFT, nesta versão espantosamente bonita.
sábado, 5 de maio de 2012
ESTRELAS E LUA CHEIA
Foto de João Guimarães, dia 5 de maio de 2012
No dia 19 de março de 2011, sábado, pudemos ver a lua muito perto de nós. Perigeu é o nome do raro fenómeno que acontece em cada dezoito anos. Os cientistas explicam que o tamanho da lua cheia varia por causa de sua órbita oval e neste sábado, um dos lados da lua – chamado perigeu – esteve uns 50 mil quilómetros mais próximo da Terra do que o outro lado, chamado de apogeu. A explicação está na trajetória elíptica da lua. Portanto, quando a lua alcançou o perigeu, ela esteve 14% maior e 30% mais brilhante do que no apogeu.
E, deste lugar, de onde se veem as estrelas e onde se tenta ser feliz, hoje é o dia em que vai ser possível ver a maior lua cheia do ano.
domingo, 29 de abril de 2012
A sagração da primavera I Olga Roriz
Dia 29 de março, dia mundial da dança, A celebração da primavera, de Stravinsky, coreografia de Olga Roriz. CCB, dia 29 de março de 2010.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
terça-feira, 24 de abril de 2012
Miguel Portas: para lembrar sempre!
"Aos 13 anos, o Miguel era sardento, louro, espigado e irrequieto. Foi numa assembleia de estudantes do ensino secundário, que se realizou na cantina de Económicas, o ISEG de hoje, que o ouvi. Estávamos do mesmo lado. Discussões acaloradas, heroísmo à flor da pele, a ditadura e a guerra pela frente – nessa altura, o futuro era magnífico. E foi. O 25 de Abril e os melhores anos da nossa vida, como dizia o José Afonso.
Economista por empréstimo, foi sempre jornalista e político por vocação. Com a vertigem dos anos finais da ditadura, entrou na UEC e foi escolhido para a sua comissão central em 1974. Do PCP sairia em 1989, quinze anos depois e sem mágoas, sempre respeitador dessa vida militante. Entretanto, foi animador cultural na Câmara de Ourique e na serra algarvia. Aprendeu o trabalho local, a importância da cultura e da comunicação popular. Tornou-se jornalista, lançou a revista "Contraste" em 1986 e fez dela um ícone da cultura à esquerda. Foi depois jornalista do "Expresso", a partir de 1988, e editor internacional da sua revista até 1994. Fez a cobertura da campanha eleitoral do PSR em 1991, e lembro-me de como se divertia com a minha ingenuidade sobre o que seria ser deputado. Tinha razão.
A partir de 1995, fez aquilo de que mais gostava, criou um jornal em que podia agir com as suas próprias escolhas. O "Já" foi essa aventura, depois a "Vida Mundial". Fez a cobertura da queda do regime da Roménia, onde sentiu o cheiro do 25 de Abril e os riscos do que aí vinha. Com jornalistas, amigos, gente de talento e de vontade, inventou jornalismo, fez actualidade, lutou pelas ideias, convidou opiniões. Que falta que faz um jornal como esses.
Escreveu três livros: “E o Resto é Paisagem” (2002), “No Labirinto”, sobre o Líbano (2006) e “Périplo”, sobre as histórias do Mediterrâneo, com Cláudio Torres (2006). Como sempre lembra o Inimigo Público, o suplemento satírico do Público, a sua profunda ligação ao Médio Oriente levava-o a interessar-se pela sua gastronomia, pelo cinema, pelas lendas, pelas histórias, pelos partidos, pelas guerras e pela paz. Tomou posição. Arriscou-se. Falou com todos. Atravessou o Líbano debaixo de bombardeamento israelitas. Defendeu energicamente o povo palestino. Juntou-se às vozes dos movimentos de paz em Israel.
Viveu a vida intensamente e com gosto. Foi dirigente do Bloco e eurodeputado até ao último momento. Incentivou-nos da cama do hospital. Combinou a sua viagem que faltava, à Birmânia, e que nunca fará. Despediu-se dos filhos.
Viveu connosco e nós vivemos com ele. Perdemo-lo e não o esquecemos. Um abraço com ternura, Miguel." Texto de Francisco Louça
sexta-feira, 20 de abril de 2012
Só por existir ...
Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
Só por ter dois sóis
Só por hesitar
Fiz a cama na encruzilhada
Chamei casa a esse lugar
E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não tem chão
E as mãos perdem a razão
Só por enfrentar
Só por destruir
Tenho as chaves do céu e do inferno
Deixo o tempo decidir
E anda sempre alguém por lá
Junto à tempestade
Onde os pés não têm chão
E as mãos perdem a razão
Só por existir
Só por duvidar
Tenho duas almas em guerra
E sei que nenhuma vai ganhar
E sei que nenhuma vai ganhar
Só de Jorge Palma
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Uma esplanada sobre o mar de Vergílio Ferreira
Vergílio Ferreira |
O rapaz tinha o olhar absorto na extensão das águas e permaneceu calado algum tempo. As águas brilhavam com o reflexo do sol na agitação breve das ondas. A rapariga calava-se também, fitando o rapaz, porque percebia que ele não acabara de falar. Mas o rapaz calou-se como se não tivesse mais nada a dizer
- Mas que é que querias dizer-me?
- Mesmo as coisas mais banais são diferentes se alguma coisa importante se passou em nós.
- Mesmo as coisas mais banais são diferentes se alguma coisa importante se passou em nós.
- Se alguma coisa importante se passou em nós, não reparamos nas coisas - disse a rapariga, acendendo um cigarro.
- Que coisa importante? - perguntou a rapariga
Mas ele não respondeu e ela perguntou outra vez.
- Que coisa importante?
- Não sei. Uma coisa importante. Se te morresse o pai e a mãe e ficasses subitamente sozinha, o mundo transfigurava-se. Se tivesses tentado o suicídio e te salvassem, mesmo as pedras e os cães começavam a ser diferentes porque os olhavas com outros olhos.
E de novo se calou. Mas agora também a rapariga se calava na indistinta ameaça de não sei o quê. O sol rodara um pouco, apanhava agora a cabeça do rapaz, incendiando-lhe o cabelo tombado para a testa. Levantou-se, tentou ela fazer girar o guarda-sol azul no pé de ferro articulado, seguro com um gancho recurvo e uma pequena corrente. Sentou-se de novo mas verificou que ficava ela agora com uma mancha que lhe apanhava um ombro e o braço e uma pequena zona da face. Bebeu um pouco de refresco, olhou distraidamente a linha longínqua do limite do mar. Havia no rapaz uma notícia a dar, mas a rapariga não sabia como fazer a pergunta certa para estar certa com a resposta que queria ouvir. E de súbito disse:
E de novo se calou. Mas agora também a rapariga se calava na indistinta ameaça de não sei o quê. O sol rodara um pouco, apanhava agora a cabeça do rapaz, incendiando-lhe o cabelo tombado para a testa. Levantou-se, tentou ela fazer girar o guarda-sol azul no pé de ferro articulado, seguro com um gancho recurvo e uma pequena corrente. Sentou-se de novo mas verificou que ficava ela agora com uma mancha que lhe apanhava um ombro e o braço e uma pequena zona da face. Bebeu um pouco de refresco, olhou distraidamente a linha longínqua do limite do mar. Havia no rapaz uma notícia a dar, mas a rapariga não sabia como fazer a pergunta certa para estar certa com a resposta que queria ouvir. E de súbito disse:
- Pediste-me para estar aqui às quatro horas.Telefonaste duas vezes. Vieste à praia para isto. Porque é que afinal vieste.
- Mas tenho estado a explicar-te porque vim.
- Tens estado a explicar porque vieste. Mas falta o mais importante. Falta dizeres que está tudo acabado. falta dizer que essa tal tua amiga conseguiu o que queria. Falta dizer que nunca me achaste tão bela como hoje, mas que já me não podes amar. Falta dizer isso, mas tens de preparar o terreno, porque a coragem nunca foi o teu forte e julgas que não é o meu.
Falava devagar mas com uma grande intensidade interior e, ficou assim ruborizada, os olhos brilhantes de violência. O rapaz ouviu-a e não respondeu. pensou primeiro concordar com a rapariga e dizer-lhe talvez que já não a amava. Evitava assim dizer-lhe a verdade. Quando ela depois a soubesse, talvez já não sofresse, talvez o esquecesse mais depressa. Mas sofreria ele por aceitar uma mentira que ia contra o que sentia. Julgava ser mais fácil dizer tudo e via agora que não.
- Nada disso é verdade - disse por fim.- Mas tenho estado a explicar-te porque vim.
- Tens estado a explicar porque vieste. Mas falta o mais importante. Falta dizeres que está tudo acabado. falta dizer que essa tal tua amiga conseguiu o que queria. Falta dizer que nunca me achaste tão bela como hoje, mas que já me não podes amar. Falta dizer isso, mas tens de preparar o terreno, porque a coragem nunca foi o teu forte e julgas que não é o meu.
Falava devagar mas com uma grande intensidade interior e, ficou assim ruborizada, os olhos brilhantes de violência. O rapaz ouviu-a e não respondeu. pensou primeiro concordar com a rapariga e dizer-lhe talvez que já não a amava. Evitava assim dizer-lhe a verdade. Quando ela depois a soubesse, talvez já não sofresse, talvez o esquecesse mais depressa. Mas sofreria ele por aceitar uma mentira que ia contra o que sentia. Julgava ser mais fácil dizer tudo e via agora que não.
O mar brilhava cada vez mais. As placas incandescentes tremeluziam nas águas e faziam semicerrar os olhos ao rapaz. Vergou-se para a mesa e bebeu um gole de refresco."
in Uma esplanada sobre o mar de Vergílio Ferreira (excerto)
quarta-feira, 21 de março de 2012
Ouçamos Pedro Lamares! Segredo de Maria Teresa Horta
No dia 21 de Março, Dia Mundial da Poesia, ouçamos Pedro Lamares!
Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Segredo
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Maria Teresa Horta
terça-feira, 20 de março de 2012
Nas quatro estações: MIMAR!
MIMAR é a palavra que me apetece juntar às outras que caracterizam estas estações, - confortar, apaixonar, refrescar, animar, aquecer e aconchegar. A canção de Caetano belíssima, embora num sentido restritivo e limitado, é a minha escolha para emoldurar esta amorável palavra em As estações do ano. A marcar o início da primavera.
domingo, 18 de março de 2012
O que nos apaixona e alegra na primavera.
A primavera é depois de amanhã, e no dia seguinte é o dia mundial da poesia. Como eu não imagino os meus dias sem poesia, deixo-vos, este poema de Alberto Caeiro dito por Pedro Lamares "Quando vier a primavera".
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
Alberto Caeiro
Alberto Caeiro
Não posso adiar o amor | António Ramos Rosa
Não posso adiar o amor para outro século
Não posso
Ainda que o grito sufoque na garganta
Ainda que o ódio estale e crepite e arda
Sob montanhas cinzentas
E montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
Que é uma arma de dois gumes
Amor e ódio
Não posso adiar
Ainda que a noite pese séculos sobre as costas
E a aurora indecisa demore
Não posso adiar para outro século a minha vida
Nem o meu amor
Nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
António Ramos Rosa
Não posso
Ainda que o grito sufoque na garganta
Ainda que o ódio estale e crepite e arda
Sob montanhas cinzentas
E montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
Que é uma arma de dois gumes
Amor e ódio
Não posso adiar
Ainda que a noite pese séculos sobre as costas
E a aurora indecisa demore
Não posso adiar para outro século a minha vida
Nem o meu amor
Nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
António Ramos Rosa
Five o'clock tear | Emanuel Félix
Coisa tão triste aqui esta mulher
com seus dedos pousados no deserto dos joelhos
com seus olhos voando devagar sobre a mesa
para pousar no talher
Coisa mais triste o seu vaivém macio
p'ra não amachucar uma invisível flora
que cresce na penumbra
dos velhos corredores desta casa onde mora
Que triste o seu entrar de novo nesta sala
que triste a sua chávena
e o gesto de pegá-la
E que triste e que triste a cadeira amarela
de onde se ergue um sossego um sossego infinito
que é apenas de vê-la
e por isso esquisito
E que tristes de súbito os seus pés nos sapatos
seus seios seus cabelos o seu corpo inclinado
o álbum a mesinha as manchas dos retratos
E que infinitamente triste triste
o selo do silêncio
do silêncio colado ao papel das paredes
da sala digo cela
em que comigo a vedes
Mas que infinitamente ainda mais triste triste
a chávena pousada
e o olhar confortando uma flor já esquecida
do sol
do ar
lá de fora
(da vida)
numa jarra parada
com seus dedos pousados no deserto dos joelhos
com seus olhos voando devagar sobre a mesa
para pousar no talher
Coisa mais triste o seu vaivém macio
p'ra não amachucar uma invisível flora
que cresce na penumbra
dos velhos corredores desta casa onde mora
Que triste o seu entrar de novo nesta sala
que triste a sua chávena
e o gesto de pegá-la
E que triste e que triste a cadeira amarela
de onde se ergue um sossego um sossego infinito
que é apenas de vê-la
e por isso esquisito
E que tristes de súbito os seus pés nos sapatos
seus seios seus cabelos o seu corpo inclinado
o álbum a mesinha as manchas dos retratos
E que infinitamente triste triste
o selo do silêncio
do silêncio colado ao papel das paredes
da sala digo cela
em que comigo a vedes
Mas que infinitamente ainda mais triste triste
a chávena pousada
e o olhar confortando uma flor já esquecida
do sol
do ar
lá de fora
(da vida)
numa jarra parada
Emanuel Félix
sábado, 17 de março de 2012
Coincidência | Pedro Lamares
Se eu pudesse
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...
Alberto Caeiro
Terror de te amar
Terror de te amar num sítio tao frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Terror de te amar
Terror de te amar num sítio tao frágil como o mundo
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.
Sophia de Mello Breyner
Sophia de Mello Breyner
quarta-feira, 14 de março de 2012
O que nos aqueceu e confortou neste inverno
terça-feira, 13 de março de 2012
Os cavalos também se abatem de Emanuel Amorim
"Enquanto preparava a mudança de casa empacotando a quantidade estúpida de livros que tenho, praguejava contra esse meu vício de comprar mais e mais. Numa pausa e por mero acaso, peguei no Lunário do Al Berto e li o seguinte:
"«Sempre levei na bagagem muito pouca coisa» pensou Beno, esticando o pescoço para a frente de modo a seguir o voo sinuoso duma gaivota no enquadramento da janela. «Uma ou duas camisas, t-shirts, dois ou três pares de calças e uma infinidade de minúsculos objectos que nunca me serviam para nada. Viajei com o absolutamente necessário. E ao chegar a qualquer lugar comprava o que me fazia falta, depois, assim que prosseguia caminho, deitava tudo fora. Sempre achei que o que me era útil e indispensável num sítio deixaria de o ser noutro...»"
E pensei:
“É isto que quero para mim! Viver apenas com o indispensável e evitar estar preso ao acessório”
Esta ideia romântica fez-me ponderar fazer uma venda de garagem e vender todos os meus livros, discos e filmes. Com esse dinheiro faria uma viagem de mochila às costas durante um mês e voltaria diferente, mais capaz e confiante para enfrentar os desafios do dia-a-dia. Seria uma experiência que mudaria a minha vida. Felizmente tal ideia passou-me rápido e dias depois alombei com as caixas até um terceiro andar sem elevador. O romantismo não é para mim."
Este post foi copiado do blogue Os cavalos também se abatem, cuja visita eu recomendo vivamente a quem que por aqui passa, por acaso ou não. Pelo bom gosto das escolhas do seu editor e pela sua escrita.
quarta-feira, 7 de março de 2012
José Saramago | Memorial do Convento
"Encontrou-o. Seis vezes passou por Lisboa, esta era a sétima. Vinha do sul, dos lados de Pegões. Atravessou o rio, quase noite, na última barca que aproveitara a maré. Não comia há quase vinte e quatro horas. Trazia algum alimento no alforge, mas, de cada vez que ia levá-lo à boca, parecia que sobre a sua mão outra mão se pousava, e uma voz lhe dizia, Não comas, que o tempo é chegado. Sob as águas escuras do rio, via passar os peixes a grande profundidade, cardumes de cristal e prata, longos dorsos escamosos ou lisos. A luz interior das casa coava-se através das paredes, difusa como um farol no nevoeiro. Meteu-se pela Rua Nova dos Ferros, virou para a direita na igreja de Nossa Senhora da Oliveira, em direcção ao Rossio, repetia um itinerário de há vinte e oito anos. Caminhava no meio de fantasmas, de neblinas que eram gente. Entre os mil cheiros fétidos da cidade, a aragem nocturna trouxe-lhe o da carne queimada. Havia multidão em S. Domingos, archotes, fumo negro, fogueiras. Abriu caminho, chegou-se às filas da frente. Quem são, perguntou a uma mulher que levava uma criança ao colo, De três sei eu, aquele além e aquela são pai e filha que vieram por culpa do judaísmo, e o outro, o da ponta, é um que fazia comédias de bonifrates e se chamava António José da Silva, dos mais não ouvi falar.
São onze os supliciados. A queima já vai adiantada, os rostos mal se distinguem. Naquele extremo arde um homem a quem falta a mão esquerda. Talvez por ter a barba enegrecida, prodígio cosmético da fuligem, parece mais novo. E uma nuvem fechada está no centro do seu corpo. Então Blimunda disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda."
final de Memorial do Convento de José Saramago, Caminho
sexta-feira, 2 de março de 2012
Arrábida: conforta-me, anima-me e aconchega-me.
"Quando só há gaivotas e solidão, é que a Arrábida se revela, se entrega inteirinha." Sebastião da Gama em Diário
"Arrábida – Serra de um Poeta” é um filme de cerca de dez minutos com que Miguel Brazuna se apresentou ao concurso “Arrábida – Curtas e Doc’s 2011”, promovido pela AMRS - Associação de Municípios da Região Sul - no âmbito da candidatura da Arrábida a Património Mundial. O filme baseia-se no livro de poemas de Sebastião da Gama, Serra-Mãe.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
É outono, onde a mais bela aventura se escreve exactamente sem nenhuma letra.
É outono, desprende-te de mim.
Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia,
sem encontros marcados,
sem cartas a responder.
Deixa-me o braço direito,
o mais ardente dos meus braços,
o mais azul,
o mais feito para voar.
Devolve-me o rosto de um verão
sem a febre de tantos lábios,
sem nenhum rumor de lágrimas
nas pálpebras acesas.
Deixa-me só, vegetal e só,
correndo como rio de folhas
para a noite onde a mais bela aventura
se escreve exactamente sem nenhuma letra.
Eugénio de Andrade
Solta-me os cabelos, potros indomáveis
sem nenhuma melancolia,
sem encontros marcados,
sem cartas a responder.
Deixa-me o braço direito,
o mais ardente dos meus braços,
o mais azul,
o mais feito para voar.
Devolve-me o rosto de um verão
sem a febre de tantos lábios,
sem nenhum rumor de lágrimas
nas pálpebras acesas.
Deixa-me só, vegetal e só,
correndo como rio de folhas
para a noite onde a mais bela aventura
se escreve exactamente sem nenhuma letra.
Eugénio de Andrade
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Nascem flores vermelhas pela primavera
in Zeca Afonso - o Andarilho da voz de ouro de José Jorge Letria e Evelina Oliveira (ilustradora)
Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se da antiga chama
Mal vive a amargura
Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia?
E as vozes embarcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito
Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira
Em novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela primavera
Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
Pelo nascer do dia
poema de José Afonso
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